Festival de Cinema de Berlim apresenta filme sobre a situação do Haiti

Rui Martins,

de Berlim (Alemanha)

 

Cena de “Assistência Mortal”, de Raoul Peck – Foto: Berlinale/Reprodução

O terremoto do dia 12 de janeiro de 2010 no Haiti e a reconstrução do país são os temas de um dos principais filmes do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale): “Assistência Mortal”, do cineasta haitiano Raoul Peck.

Exibido na mostra Berlinale Especial, o documentário reúne depoimentos de autoridades como o ex-presidente haitiano René Preval, o ex-primeiro-ministro Jean Max Bellerive, o ex-presidente estadunidense e co-presidente da Comissão Interina de Reconstrução do Haiti, Bill Clinton, mais dirigentes de ONGs e habitantes da capital Porto Príncipe.

O objetivo do filme é o de mostrar a mobilização internacional de ajuda humanitária, assim que ocorreu o devastador terremoto, e como essa ajuda, que custou alguns bilhões de dólares, não respondeu às necessidade básicas da população. Como explica um dos ex-ministros haitianos, os países que ofereceram assistência, a fizeram sem consultar e sem a participação do governo local, enquanto as ONGs tomaram iniciativas próprias, algumas vezes absurdas.

Um exemplo apresentado no documentário é o de três ONGs que, agindo isoladamente e em trechos diversos da remoção de detritos num dos principais sistemas de canalização das águas pluviais, faziam e refaziam o mesmo trabalho. A primeira removeu todo o material que impedia o escoamento das águas e colocou ao lado. Nas primeiras chuvas tudo entrou de novo no sistema de canalização e, a seguir, foi devidamente removido por outra ONG num trecho mais abaixo. Todo o trabalho foi perdido com novas chuvas e coube a uma terceira ONG refazer a limpeza. Isso demonstra a maneira caótica dispensada pelas organizações humanitárias no Haiti.

“Não existe uma coordenação das ONGs e é impossível contatar as duas mil ONGs existentes, muitas delas religiosas, que evitam qualquer planificação com o governo”, explica uma autoridade haitiana no filme. “Um caso mais marcante foi a construção de um novo hospital perto de um já existente, sem qualquer autorização, ao invés de ser erguido alguns quilômetros mais adiante, próximo a uma população mais carente. O resultado é que enviei tratores para impedir a construção, dada a insistência dos dirigentes da ONG, sem que eu saiba o porquê de tal interesse!”, conta.

Outro absurdo relatado é o de que certas casas de emergências construídas pelas organizações humanitárias estrangeiras custaram mais caro do que se tivessem sido construídas pelos próprios haitianos. Essa discrepância entre o que se oferece e o que se precisa é acentuada logo no início do filme, quando o presidente do Haiti não entende porque os países filantrópicos enviam produtos do exterior sendo que poderiam ter sido comprados dentro do próprio Haiti.

Raoul Peck deixa também visível um interesse de certas ONGs fazerem qualquer coisa, mesmo que mais cara e nem tanto necessária, provavelmente para mostrarem serviço aos seus financiadores. Há também uma discrepância entre os totais anunciados nos planos de assistência e os dólares que realmente chegam ao Haiti.

O cineasta Raoul Peck, nascido no Haiti, mas criado no Zaire e nos Estados Unidos, vive atualmente na França. Hoje cinquentenário, Peck já fez um filme dedicado à memória de Patrice Lumunda, herói congolês cujo assassinato deu ao ditador Mobutu acesso ao poder